Na última quinta-feira (07/07/2023), a Câmara dos Deputados aprovou em dois turnos o texto-base da Reforma Tributária, que estabelece as novas regras para a tributação sobre o consumo. O objetivo principal da Proposta de Emenda à Constituição 45/2019 é simplificar e modernizar a sistemática tributária sobre o consumo de bens e serviços.
Importante frisar que, embora a Câmara dos Deputados tenha aprovado a proposta de forma célere, as mudanças têm previsão de entrar em vigor somente em 2026, de forma gradual, se estendendo pelo menos até 2033, caso sejam aprovadas pelo Senado Federal. Portanto, sem a pretensão de analisar com juízo de valor os pontos de mudança, destaca-se o que foi aprovado e encaminhado aos senadores para votação:
1. Tributação sobre o consumo
A proposta visa unificar a tributação do consumo sobre uma mesma base de incidência, mediante a extinção do PIS, da COFINS, do IPI, do ICMS e do ISS, a fim de instituir uma tributação sobre o valor agregado.
Sendo assim, a proposta cria o denominado Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), o qual será implementado mediante um modelo de gestão dual, ou seja, a União arrecadará separadamente a sua parcela da tributação, enquanto os Estados, os Municípios e o Distrito Federal arrecadarão cada qual sua cota-parte. Para isso, serão instituídos dois tributos sobre o valor agregado, um de competência da União e outro compartilhado entre os Estados, os Municípios e o Distrito Federal.
Dessa forma, o modelo dual prevê a instituição da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência partilhada entre os Estados, os Municípios e o Distrito Federal.
- Regras Gerais:
Tanto o IBS quanto a CBS terão o mesmo fato gerador, base de cálculo, sujeito passivo, hipóteses de não incidência, imunidades, regimes específicos, diferenciados, específicos ou favorecidos e regras de creditamento e não cumulatividade.
A CBS e o IBS incidirão sobre importações e operações com bens materiais ou imateriais, direitos e serviços os quais serão tributados no destino. Além disso, o cálculo de ambos os tributos será realizado “por fora”, isto é, tanto a CBS quanto o IBS não integrarão a sua própria base de cálculo, nem a de outros tributos.
Haverá direito ao creditamento pleno, de tal modo que o tributo cobrado em todas as aquisições será compensado, salvo aquelas consideradas de uso e/ou consumo pessoal. As exportações serão desoneradas, mas será assegurada a manutenção do crédito.
- Alíquotas:
Em regra, a CBS terá alíquota única e o IBS terá alíquota padronizada por cada ente federativo para todos os produtos, serviços e direitos. No caso do IBS, as alíquotas de referência serão definidas em resolução do senado, de tal modo que os entes federativos tomarão por base aludida resolução para fixá-las.
Há previsão de regimes diferenciados, incluindo a redução de 60% do IBS para determinados bens e serviços relacionados à educação, à saúde, produtos e insumos agropecuários, serviços de transporte coletivo, produções artísticas, culturais, jornalísticas, atividades desportivas e bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança de informações e segurança cibernética.
Além disso, há possibilidade de isenção para serviços de transporte coletivo rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual e possibilidade de alíquota zero para medicamentos, dispositivos médicos, cesta básica, redução de 100% da alíquota da CBS para serviços de educação de ensino superior relacionados ao PROUNI e PERSE, bem como a redução de 100% da alíquota da CBS e do IBS para as atividades de reabilitação urbana zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.
Vale destacar que as reduções de alíquotas não se aplicam aos setores mencionados como um todo, haja vista que os bens e atividades favorecidos serão posteriormente definidos em Lei Complementar.
- Regimes Específicos:
Poderão ser instituídos regimes específicos, mediante Lei Complementar, para os combustíveis, lubrificantes, serviços financeiros, bens imóveis, planos de assistência à saúde, concursos de prognósticos, compras governamentais, hotelaria, cooperativas, parques de diversão, parques temáticos, restaurantes e aviação regional.
1.1.4. Imunidades:
Segundo a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados, as imunidades previstas no art. 150, VI, da Constituição Federal (imunidade recíproca, imunidade religiosa, imunidade de partidos políticos, imunidades de entidades sindicais, imunidade das instituições de educação, imunidade das entidades de assistência social, imunidade dos livros jornais e periódicos, imunidade de fonogramas e videogramas musicais) deverão abranger o IBS e a CBS.
1.3. Créditos acumulados de ICMS
Créditos relacionados a saldos credores do ICMS acumulados até o momento da reforma tributária poderão ser compensados com o IBS. Para isso, serão considerados os créditos relativos a saldos credores admitidos pela legislação atual, após homologação pelos respectivos entes federados no prazo remanescente de 48 parcelas mensais, para a entrada de bens destinados ao ativo permanente em 240 parcelas mensais e sucessivas (vinte anos), nos demais casos.
1.4. Imposto Seletivo
Além disso, a proposta prevê que essa tributação instituída sobre o valor agregado (IBS e CBS) poderá ser complementada por um imposto específico sobre determinados bens e serviços.
Esse tributo, de competência da União e com arrecadação dividida com os demais entes federados, será denominado de Imposto Seletivo (IS) e terá como objetivo desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde (ex.: cigarro, bebidas alcoólicas etc.) ou ao meio ambiente, que serão delimitados pela Lei Complementar.
Vale destacar que aludido imposto incidirá nas importações, não incidirá nas exportações, além de que será calculado “por dentro”, isto é, integrará a base de cálculo do IBS e da CBS.
2. Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio
As leis que instituírem o IS, o IBS e a CBS estabelecerão os mecanismos para a manutenção da competitividade da Zona Franca de Manaus e das Áreas de Live Comércio instituídas até 31/05/2023.
Ficará a encargo da legislação complementar o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, gerido e financiado pela União, com intuito de fomentar o desenvolvimento econômico do Estado.
3. Cashback às famílias de baixa renda
Outra mudança proposta pela PEC 45/2019 é a criação de um mecanismo de devolução dos tributos pagos em produtos alimentícios às famílias de baixa renda. As regras para esse benefício serão estabelecidas por meio de Lei Complementar, que determinará o público beneficiado, o montante e a forma de devolução.
4. Cesta Básica Nacional de Alimentos
A proposta cria o programa da Cesta Básica Nacional como manifestação do direito social à alimentação. Caberá à Lei Complementar a definição dos produtos que serão incluídos no programa e sobre os quais a alíquota do IBS e da CBS será reduzida a zero.
5. Simples Nacional
A proposta mantém o Simples Nacional como um regime simplificado e especial de tributação aplicável às micro e pequenas empresas, retirando os tributos que serão extintos e incluindo os novos.
A empresa optante pelo Simples Nacional poderá recolher o IVA dual de forma segregada, se assim o desejar. O objetivo é que os optantes do Simples possam continuar a recolher os demais tributos sob essa sistemática e, ao mesmo tempo, optar pelo regime não-cumulativo do IVA, caso essa opção lhes for economicamente mais favorável. Por outro lado, as empresas que optarem pelo recolhimento do IVA de forma unificada não poderão se apropriar nem transferir créditos a terceiros.
Cumpre destacar que, embora o optante pelo Simples Nacional não possa aproveitar os créditos gerados pelo pagamento unificado previsto, os adquirentes de bens e serviços fornecidos por eles poderão fazê-lo.
6. Produtores Rurais
A proposta permite que o produtor rural pessoa física com receita anual inferior a R$3.600.000,00 opte por não ser contribuinte do IBS e da CBS. A mesma sistemática funcionará para os chamados produtores integrados, que recebem insumos e materiais de grandes empresas para produzir – de maneira vinculada e exclusiva – matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final.
Vale destacar que haverá crédito presumido para o adquirente dos bens e serviços desse produtor rural, embora este opte por não efetuar o recolhimento do IBS e da CBS.
7. Tributação sobre a propriedade
Embora o foco desta fase da Reforma Tributária tenha sido a tributação sobre o consumo, a Proposta de Emenda à Constituição avançou em alguns aspectos relacionados à tributação sobre a propriedade. Veja-se:
7.1. ITCMD
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) será progressivo, considerando o valor da transmissão causa mortis ou da doação efetuada.
Além disso, aludido imposto não incidirá sobre as transmissões e doações destinadas às instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social.
Há previsão da incidência do ITCMD em relação à transmissão causa mortis e de doação de bens localizados no exterior, apenas para sucessões ocorridas a partir da publicação da Emenda, o que ainda vai depender de uma regra estabelecida por Lei Complementar.
7.2. IPTU
No tocante ao Imposto sobre a Propriedade Territorial e Urbana (IPTU), a proposta permite que o Poder Executivo atualize a base de cálculo do imposto mediante decreto a partir de critérios gerais previstos em lei municipal, facilitando o potencial arrecadatório de imóveis com alta valorização.
7.3. IPVA
A atual interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema é de que Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) apenas incide sobre veículos automotores terrestres.
A proposta aprovada pela Câmara dos Deputados permite a incidência do IPVA sobre a propriedade de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, com exceção das aeronaves agrícolas e de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros, das embarcações para prestação de serviços de transporte aquaviário ou de pessoa física ou jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência, das plataformas que se locomovam na água por meios próprios, dos tratores e máquinas agrícolas.
Cumpre ressaltar, ainda, que aludido imposto poderá ter alíquotas diferentes em razão do impacto ambiental causado pelo veículo.
8. Tributação da Renda
O Governo Federal elencou as alterações relativas à tributação da renda como prioridade em uma segunda etapa da Reforma Tributária. Portanto, a PEC 45/2019 não trouxe novidades a respeito deste tópico. A previsão é de que em até 180 dias contados da promulgação da PEC 45/2019 seja apresentada a proposta referente à tributação sobre a renda.
9. Transição
Para minimizar o impacto das mudanças, o texto propõe uma regra de transição. A cobrança do IVA Dual começará em 2026, com alíquotas de 0,9% no caso da CBS de competência da União e de 0,1% no caso do IBS de competência dos estados, municípios e do distrito federal.
Em 2027, a CBS vai substituir os impostos indiretos federais e o IBS seguirá com a alíquota-teste até 2028. De 2029 a 2032, o IBS será introduzido à proporção de 10% a cada ano, de tal modo que os benefícios ou incentivos fiscais serão reduzidos na mesma proporção. Em 2033, o novo tributo finalmente vai substituir de forma integral os impostos indiretos de estados, municípios e do distrito federal.
Quanto aos benefícios fiscais que serão gradualmente reduzidos e extintos, a Lei Complementar estabelecerá critérios para a compensação pelos benefícios a ser realizada mediante aportes anuais de recursos da União (Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais).
A alíquota do IPI será reduzida a zero a partir de 2027, exceto em relação aos bens industrializados na Zona Franca de Manaus e aludido imposto será extinto a partir de 2033.
Embora o texto-base tenha sido aprovado pela Câmara dos Deputados em 2 turnos, a proposta ainda será analisada pelo Plenário do Senado Federal e, para ser aprovada, precisa do voto favorável da maioria qualificada (49 senadores) em 2 turnos. Caso o texto seja aprovado nas duas casas, sem alterações, será promulgado em forma de emenda constitucional em sessão do Congresso Nacional; no entanto, se houver modificação substancial (não apenas de redação), a proposta deve voltar obrigatoriamente para a Câmara dos Deputados para nova votação.
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